quinta-feira, outubro 13, 2005

Um dos Sete.
[Com pequena menção a Seu Fante - e a Leonard Cohen.]

"Camilla,

São quatro da manhã, é fim de Dezembro e a tua bolsa está ali, em cima do sofá, na mesma pose em que você a esqueceu da última vez que esteve aqui.
Quanto tempo faz? Eu já não sei. Uma semana? Nove dias? Tudo soa tão confuso prá mim agora, dias e dias deitado nessa cama, olhando pela janela esse céu grande mudar seus matizes.
Gosto quando é de manhã, e fica tudo dum azul suave, um azul que eu tenho certeza que é fresco. É nessa hora do dia em que me lembro que devia tomar um café. Mas você sabe onde é que fica a cozinha desse meu apartamento. O esforço prá levantar-me da cama, os passos que eu terei de dar, o frio que vai brincar no meu peito quando eu sair de baixo dessas cobertas... gosto não. Prefiro esticar o braço e pegar um biscoito água e sal que sei lá por que diabos anda passeando pelas proximidades do meu criado mudo.
É Camilla... não minto se digo que já houve dias melhores. E não erro se já não te chamo mais de minha. Você parece mesmo não querer mais ficar sob esse rótulo. Mulher de Arturo, o Vagabundo. Não, não fica bem. Não combina com estes cachos negros que se balançam dum jeito bonito quando você me nega algo, nem com estes olhos escuros seus cuja lembrança, poxa vida, eu dispenso porque sinto agora o calor que sentia quando era tragado prá dentro deles. [Se sinto calor tenho de escapolir das cobertas e ah não, do jeito que tá tá bom.]
Eu te perdi, eu perdi meu emprego, eu perdi peso, eu perdi o ânimo. E sinto que recuperar isso tudo está demasiado longe das minhas mãos, quase tão longe quanto o controle da tv ali no pé da cama. [Razão pela qual a Tv está ligada no AV há dias.]
Mas isso não diminui aquilo que eu sinto por você, não mesmo. Entre os meus maiores desejos dos últimos dias, ter você aqui, com a cabeça jogada nesse travesseiro vazio aqui do meu lado, só respirando aqui perto, só enchendo meu quarto com seu perfume, só passando teus olhos por mim, com certeza era o primeiro deles. O segundo era não ter mais essas vontades primitivas de ir ao banheiro e ter de me sucumbir a elas e levantar da cama. Mas isso não vem ao caso, creio eu.
Camilla, agora eu ouço buzinas vindo lá debaixo, lá da rua. Ouço umas músicas, vejo uns neons refletidos na janela do apartamento da frente. Será que você está lá embaixo? Sendo tragada pela noite? Gastando energia prá... viver? Não me parece impossível já que, no fatídico e último dia em que te vi você se ajoelhou aqui, quase onde estão as minhas pantufas, no pé da cama, e ficou com o rosto molhado a implorar que eu por favor levantasse dessa cama, que você já não conseguia mais me suportar nessa apatia, nessa preguiça - e essa palavra você disse num tom forte, contraindo os lábios com fúria e quase cuspindo em seguida a sílaba "pre", fazendo uma expressão de nojo no "gui", e cerrando os dentes prá dizer o "ça".
É. Eu penso bem agora e vejo que, do jeito que está, não havia mesmo modos de continuarmos. Já disse que eu gosto de você de um jeito que não se mede, de um tanto que não cabe. Mas é essa nossa diferença... essa sua energia... sei não querida, eu não tenho todo esse pique.
E essa carta, que tomará algumas noites minhas até que eu descubra um modo cômodo de fazer com que ela chegue até você, poderia ser resumida na linha seguinte:

Eu te amo. Venha buscar tua bolsa.

Contudo escrever sempre foi algo prazeroso prá mim, e eu já estava um bocadinho entediado por aqui.

Com carinho,

Arturo."

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